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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Poder eterno

Muito boa a charge de Angeli, publicada na Folha de S.Paulo de ontem, 20/02/2011. Bem que a Praça dos Três Poderes poderia, quem sabe, se inspirar na Praça Tahir...

João F.Quirino

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Fotografando o “progresso”

Íris Morais Araújo




Caricatura de Militão Augusto de Azevedo que anunciava o estabelecimento Carneiro & Gaspar, que o fotógrafo trabalhou nos anos 1860 e comprou em 1875, rebatizando-o Fotografia Americana. Várias insígnias de um estúdio foram utilizadas na composição. Além de Militão segurar o verso de uma fotografia com a marca do ateliê, destaca-se ainda uma imagem em moldura oval, estatuetas, cortinas, estante de livros e vários outros objetos de cena utilizados para a composição dos retratos.

Militão Augusto de Azevedo (1837-1905) foi um fotógrafo pioneiro no país. Tendo atuado principalmente na cidade de São Paulo por um período de 25 anos, Militão nos deixou um conjunto valioso de imagens desse lugar em mudança.

Mas, até onde se sabe, foi quase que por acaso que o carioca Militão fixou-se na capital provincial. No começo da década de 1860, o artista morava na Corte e dedicava-se à carreira de ator, trabalhando em prestigiadas companhias teatrais. Ele só rumou para São Paulo em meados de 1862, para participar de uma temporada. Entre ensaios e apresentações, o artista encontrou tempo para realizar outra atividade: fotografar. Munido de câmera, tripé e laboratório, Militão produziu mais de noventa fotografias daquela cidade que contava com, aproximadamente, 20 mil moradores. Trata-se do conjunto de vistas urbanas mais antigo que conhecemos, hoje, da maior cidade do Brasil.

O artista acabou por se estabelecer em São Paulo, localidade que contava, naquela época, com quatro estúdios fotográficos. Versátil, ele trabalhou ao longo dos 25 anos seguintes como produtor de retratos e vistas urbanas. Também atuava como revendedor do material do ofício (como papéis e produtos químicos) para seus colegas do interior paulista.

As atividades de Militão ocorreram no período em que São Paulo vivia uma grande transformação. A cidade começava a abrigar mais e mais moradores que, como o próprio fotógrafo, vinham de outros lugares do país ou do exterior. Em 1872, tal capital contava com pouco mais de 23 mil habitantes. Catorze anos depois, em 1886, eram mais de 44 mil paulistanos. E, em 1890, a cidade já somava quase 65 mil pessoas.



“1862 – Rua Alegre. (Lado da cidade.)” e “1887 – Rua Alegre. (Lado da cidade.).”. A Rua Alegre seria muito modificada com a inauguração da estação ferroviária na Luz. Os casebres pobres que Militão fotografou daria lugar a casas em estilo europeu, com gradeado e jardim.

O crescimento da população era, porém, apenas uma das facetas da mudança. O principal marco dos novos tempos foi a inauguração, em 1867, da ferrovia que ligava o porto de Santos a Jundiaí, no interior da Província, passando pela capital. Tal fato tornava São Paulo um entroncamento entre as lavouras cafeeiras do Oeste paulista e o principal escoadouro de café para o exterior. As vantagens financeiras daquela situação eram enormes, e a tamanha concentração de riqueza transformaria a cidade rapidamente.

Considerada de feitio colonial e aspecto pobre, São Paulo passou a ser alvo de intervenções que visavam transformá-la em uma cidade moderna, condizente com sua nova situação: a de capital do café. Com o passar dos anos, várias novidades chegariam àquele lugar: iluminação pública a gás nas ruas, bondes de tração animal, ajardinamento de espaços públicos, empreendimentos comerciais, uma nova arquitetura em casas e prédios importantes.

A capital mudava aos olhos de seus moradores com uma rapidez até então desconhecida, e tal situação não passou despercebida a Militão. Em 1887, o artista tirou fotografias de vários pontos da cidade, preservando os mesmos ângulos (ou quase) daquelas imagens tiradas vinte e cinco anos antes, quando acabara de chegar a São Paulo. O objetivo era original: comparar a São Paulo “antiga”, selecionando algumas fotografias de 1862, e a “moderna”, aquela das vistas feitas em 1887.




“1862 – Rua do Comércio.” e “1887 – Rua do Comércio.” – Para fazer o par comparativo de uma das ruas mais importantes da cidade nqauele período, Militão tirou a primeira fotografia do chão, enquanto que a segunda foi feita de cima de um dos sobrados da rua.

Militão batizou seu empreendimento de Álbum Comparativo da Cidade de São Paulo (1862-1887). Ele é formado por sessenta fotografias: imagens panorâmicas e tomadas de ruas, largos e prédios importantes da capital. De todo o conjunto, temos dezoito pares comparativos. A maioria das outras vistas é de 1887 e foi tirada de novos pontos da cidade, sinal de que São Paulo não parava de crescer e mudar.

O resultado é um trabalho documental cuja originalidade é não se restringir ao momento: capta o movimento e a transformação do ritmo de São Paulo. Mas, como as alterações ocorridas na cidade aparecem nas imagens? Militão soube apreender as transformações da capital naquele intervalo de tempo selecionando ângulos propícios para as tomadas das vistas urbanas. Como a idéia do artista era a de que o espectador das fotografias visse paisagens de São Paulo, Militão tomou a cidade construída como parâmetro para a produção das vistas urbanas, em vez de fotografar os moradores de São Paulo desfrutando das suas ruas e largos – mesmo assim, eles aparecem, de maneira fugaz, em algumas imagens.

Confrontando as vistas de 1862 e de 1887, o que parece se destacar é que as fotografias feitas na última data se caracterizam pela presença de certos elementos que estão ausentes nas imagens produzidas vinte e cinco anos antes: ruas e calçadas pavimentadas e iluminadas; casas comerciais, prédios públicos, privados e residências reformados ou reconstruídos segundo novos moldes; meios de transporte como bondes, carroças e tílburis (os carros de aluguel daquela época); maior circulação de pessoas nas ruas. Vendo repetidas vezes esse jogo de presença e ausência nos pares comparativos, chegamos à conclusão de que a cidade realmente não era mais a mesma.

Mas São Paulo não parou de crescer e de se transformar, especialmente após a Proclamação da República, ocorrida dois anos após o lançamento do Álbum Comparativo. O casario, os templos religiosos, as repartições, os serviços públicos e até mesmo as ruas fotografadas por Militão seriam alterados, reformados, reedificados ou demolidos. A cidade que nosso artista retratou e veiculou em seu álbum acabou por ruir e as suas imagens – sejam as de 1862, sejam as de 1887 – passaram a ser consideradas “antigas”, relacionadas ao passado de São Paulo.

Na primeira metade do século XX, à medida que a cidade mudava mais e mais, conjuntos como o Álbum Comparativo iriam se tornar comuns. Outros fotógrafos seriam incumbidos de retratar e organizar imagens da capital paulista, “antigas” e “modernas”, em novos álbuns. As imagens de Militão tornaram-se referência a esses profissionais, que tiraram fotografias dos mesmos lugares e a partir dos mesmos ângulos escolhidos por nosso artista para retratá-los em seu conjunto de vistas urbanas. Com uma câmera nas mãos e uma ideia na cabeça – “progresso” – esses fotógrafos, como Militão em 1887, fizeram imagens que buscavam apresentar o movimento daquela capital que, em certos momentos de sua história, pareceu estar em eterna transformação.

ÍRIS MORAIS ARAÚJO é antropóloga e autora de Militão Augusto de Azevedo: fotografia, história e antropologia (São Paulo: Alameda, 2010).