Hélio Schwartsman
A Justiça mandou a USP
devolver à família do banqueiro Pedro Conde (1922-2003) R$ 1 milhão que ela
doara à Faculdade de Direito, porque a universidade não cumpriu as
contrapartidas acertadas, que eram batizar um auditório com o nome do
capitalista e instalar um retrato seu na escola.
Meu primeiro impulso foi pensar
"bem-feito!". É preciso ser muito tolo para recusar um monte de
dinheiro em troca de tão econômicas homenagens. Depois, porém, me ocorreu que o
episódio é sintoma de um problema mais complicado e mascara uma disputa
ideológica: a chamada privatização da universidade pública. A discussão de
fundo é como essas instituições se financiam e se devem ou não cobrar
mensalidades.
Universidade gratuita, como quer a palavra de
ordem, é algo que não existe. Prédios, laboratórios, professores e funcionários
não se materializam do nada. Se não é o aluno que paga por sua formação, alguém
o faz. Em geral é a sociedade, por meio dos impostos cobrados a todos. A
questão, portanto, é definir qual modelo convém mais ao país. Ambos os lados
têm bons argumentos.
Os defensores da "gratuidade"
sustentam que mesmo nos EUA, onde universidades estatais cobram vultosas
anuidades, o grosso do financiamento é público, ocorrendo por meio de verbas
diretas para a pesquisa e de doações filantrópicas (que envolvem renúncia
fiscal).
Os que advogam pelo pagamento recorrem à
noção de justiça social. Embora a formação de médicos seja um investimento
público (interessa à sociedade tê-los), é grande a apropriação privada que
decorre do fato de a pessoa ter se graduado. Estudo de Marcelo Neri, da FGV,
mostra que a diferença entre o salário do médico e o de alguém que não estudou
chega a 1.503%.
A grande verdade é que, em vez de travar
abertamente esse importante debate, nós o travestimos em picuinhas como as
doações traídas.
Publicado
na Folha de S.Paulo, em 24/04/2012.