Antônio Flávio
Pierucci era opinião obrigatória nos principais jornais sempre que as
transformações religiosas no Brasil era o assunto tratado. Sociólogo respeitado,
de notória inteligência, autor de vários livros, Pierucci teve nas religiões e
no pensamento de Max Weber as principais inspirações de sua produção
intelectual.
Eu não conseguia
desassociar sua imagem da do grande sociólogo alemão. Logo que soube da morte
de Pierucci, num ato talvez instintivo, corri para minha biblioteca e apanhei o
exemplar de “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” e a pasta com
textos de Weber. Era o material utilizado nas aulas de curso ministrado no
segundo semestre do longínquo ano de 1992: “Sociologia IV”, para a graduação em
Ciências Sociais, na USP.
Comecei a
folhear o material e encontrei uma prova. Quatro folhas manuscritas por mim, em
tinta azul, ao longo das quais se encaixavam anotações do professor, em
vermelho. Eis o estilo de Pierucci: não deixava comentários sem ponderações. Tinha
um semblante compenetrado, sempre sério, mas não carrancudo, nem tampouco propenso
a sorrisos fáceis. Inteligente, seu grande mérito para mim foi o de mostrar o
quão instigante era seu objeto de estudo. Além disso, o de trabalhar o aluno de
modo a mostrar suas falhas e necessidades de correção analítica, ao mesmo tempo
em que destacava seus acertos, quiçá uma estratégia de, pelo ego, incentivá-lo a
desenvolver o pensamento. Um bom exemplo disso é seu comentário final na
tal prova:
“João, há uma elaboração pessoal muito
interessante em toda a extensão desta longa prova. Mas você deve ter cuidado
para que neste movimento de se apropriar e elaborar em outros termos o
pensamento de um autor, a clareza não se perca, nem se perca também a precisão
dos conceitos produzidos pelo autor. Minha sensação é a de que você quase evita
usar os mesmos termos do autor. Por quê? Se fosse para melhorar o resultado
final, tudo bem, mas o efeito que você consegue não é este. O efeito é um “plus”
de imprecisão e obscuridade, de um monte de “não entendi” da minha parte, que,
modéstia à parte, entendo muito de Max Weber. Mas valeu, valeu, valeu. Há
momentos brilhantes em tua prova. Um abraço.”
Além do
intelectual renomado, lembro-me de Antônio Flávio Pierucci como um ótimo
professor. Com sua calma e seu jeito de conciliar críticas, reparos e
incentivos, demonstrava respeito por seus alunos e habilidade em
transmitir-lhes o interesse pela obra de Max Weber.
Valeu, valeu,
valeu, professor!
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